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Os pobres sentem o cheiro de Deus, o acolhem e o manifestam


Publicado em 08 Julho de 2023
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“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25)

Essa oração de Jesus, louvando o Pai por revelar aos pequeninos o mistério do seu amor, marcou a minha formação teológica. O nosso professor de Bíblia, no estudo dos Evangelhos sinóticos – Mateus, Marcos e Lucas, iniciava as aulas com essa oração. Ficou gravada no nosso coração como um bonito refrão de louvor ao Pai e de reconhecimento da abertura de coração dos pequeninos aos mistérios de Deus. Talvez, com isto, o professor pretendesse nos convidar a não ter arrogância intelectual, mas um coração como o dos pequeninos, aberto ao entendimento e acolhimento dos mistérios do Evangelho de Jesus Cristo.

No Evangelho deste domingo, Jesus demonstra duas paixões: por Deus, a quem se dirige como filho e o trata como Pai; e pelos pequeninos, aos quais são revelados os mistérios de Deus. Por fim, Jesus convida a irem a Ele todas as pessoas que estão cansadas e fatigadas por carregarem pesados fardos, para encontrarem descanso (v. 28). A aprenderem dele, que é manso e humilde de coração, que não tem a arrogância dos escribas e fariseus, “donos da verdade”, mas tem a intimidade com o Pai, a quem conhece e dá a conhecer aos pequeninos.

O texto de hoje é uma reação de Jesus às atitudes de oposição que sofrera por parte de alguns habitantes das cidades situadas às margens do lago de Tiberíades (Corozaim, Betsaida e Cafarnaum). Àquelas pessoas que ouviram a Boa Nova proclamada por Jesus, mas permaneceram indiferentes. Ao contrário de lastimar a Deus em vista da rejeição à sua palavra, Jesus louva o Pai, Senhor do céu e da terra, por ocultar estas coisas aos sábios e entendidos (v. 25). Mesmo reconhecendo o senhorio absoluto de Deus, Jesus se dirige a Ele como o Pai, ou paizinho, como carinhosamente dizemos em português. Essa é a única oração de Jesus no Evangelho de Mateus, antes da noite da traição, em que Jesus se dirige ao Pai. No modelo de oração que nos deixou, também ensina a nos dirigir a Deus como o Pai. Deus não é o ser distante e assustador, que se manifesta nos fenômenos cosmológicos que amedrontam: terremotos, fogo, trovões... mas o paizinho querido que escuta o Filho, no qual revela o seu amor.

Os sábios e entendidos, que não acolhem a revelação divina, pertencem às elites cultural e religiosa da época que rejeitam a proposta de Jesus. Não é que Deus os exclua da sua revelação, mas eles mesmos se fecham à novidade divina: seu Filho Jesus Cristo. Os fariseus, os doutores da lei, os escribas e as autoridades judaicas integravam o grupo desses arrogantes, que se consideravam conhecedores de Deus por cumprirem os preceitos da Torá, o nosso Pentateuco, que os tinham decorado, na cabeça, mas não os mantinham no coração. Eram pessoas cheias de si, donas da verdade, fechadas nos seus preconceitos, incapazes de abrir o coração à novidade trazida por Jesus, que contrariava alguns interesses dessas elites.   

Os pequeninos são a segunda paixão de Jesus, que louva o Pai por revelar os seus mistérios a eles. Diferente dos arrogantes, estes possuem a sabedoria de Deus: os sofridos, os famintos, os doentes, os pecadores, os ensanguentados, os analfabetos, os que padeciam a dor da morte de uma pessoa querida tinham abertura do coração e percebiam em Jesus a novidade do Reino de Deus que irrompe, que traz esperança, que anima, que encoraja e fortalece na caminhada. Aqueles que eram vistos como amaldiçoados por Deus à época são vistos, em Jesus, como amados de Deus. Conforme registra Mateus, para acolher o Reino é necessário fazer-se pequeno (Cf. Mt 18,3). Ninguém, como Jesus, conhece o Pai e, também é conhecido por ele. Em Jesus, que ocupou o último lugar, o Pai se manifesta plenamente.

Esse conhecimento que o Filho Jesus possui do Pai é transmitido aos outros pequeninos. Conhecer é símbolo de amar. Não é ter ciência dos atributos divinos, ou das suas exigências. Para o filósofo francês Blaise Pascal, “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. A fé dos pequenos brota do coração cheio de amor. Para o papa Francisco, o povo tem um senso de fé. Há uma espécie de instinto no povo simples para perceber a presença de Deus. A comissão teológica internacional, em estudo sobre o sentimento de fé dos fiéis, aprovado pela congregação para a doutrina da fé, afirma que eles possuem um instinto espiritual que os capacita a discernir o ensinamento do Evangelho. Não é fruto de uma deliberação racional, mas um conhecimento espontâneo e natural, um tipo de percepção[1]. Certamente um dom concedido por Deus e acolhido, sobretudo pelos pequenos. Os pobres sentem o cheiro de Deus, o acolhem e o manifestam. Mesmo não sendo algo irracional, a fé entra pelo coração dos pequenos, não simplesmente pela cabeça.

Após louvar o Pai por revelar os segredos do Reino dos céus aos pequeninos, Jesus os convida a ir a ele todos os cansados e sobrecarregados pelos fardos impostos nos seus ombros, para receberem descanso; a acolherem o leve jugo de Jesus e seu suave fardo; a aprenderem dele que é manso e humilde de coração (vv. 28-30). Esse apelo de Jesus dirige-se às pessoas pisadas e oprimidas pelo poder opressor romano, que extorquia e explorava os pobres, e sobrecarregadas pelo peso da religião de então que não ajudava as pessoas a viverem a beleza da vida concedida por Deus. “Carregar o jugo” era expressão usada pelos rabinos em referência aos preceitos da Torá, o nosso Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia, que deveria ser a lei da liberdade e da vida, mas tornara-se um fardo insuportável de carregar.  Os especialistas da Torá tinham catalogado 613 mandamentos, dos quais, 248 eram prescrições, formulados de modo imperativo; e 365 eram proibições. Havia mandamento para tudo, até mesmo para o número de passos que poderiam ser dados no dia sagrado do sábado, que deveria ser dia de descanso e de alegria, para louvar a Deus, mas tornou-se um dia pesado. A lei proposta por Jesus é suave: é a lei da misericórdia e da compaixão, lei da relação marcada pela ternura e pelo amor. Para Jesus, o mais importante de tudo é amar.

Que o nosso coração seja manso e humilde como o de Jesus para acolher, viver e transmitir o amor de Deus.

 

+Dom Jeová Elias

Bispo Diocesano



Fonte: Diocese de Goiás