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Continuamos ouvindo os textos do “sermão da montanha”, neste ano litúrgico dedicado ao Evangelho segundo Mateus. Jesus está no alto da montanha, de onde fala ao povo sofrido, uma mensagem de esperança, mas também de comprometimento com o Reino proposto e inaugurado por Ele. Mateus reúne e agrupa alguns ditos de Jesus, proferidos em diversas circunstâncias, propondo um ensinamento importante para a vida. A montanha recorda o local onde Deus fez aliança com o seu povo. Jesus fará uma nova aliança com o povo sofrido. Essa aliança concede vida, mas exige também compromisso com o Deus da vida. Os dois símbolos usados hoje em referência aos seguidores de Jesus, envolvem esse compromisso: o sal e a luz, elementos importantes no nosso cotidiano.
Jesus, num primeiro momento, compara os seus discípulos ao sal (v. 13). O sal, para o povo da Bíblia, conforme o Pe. Bortolini (Roteiros homiléticos, anos A, B, C – Festas e Solenidades, p. 144), significa mais do que um mero tempero da comida. Era também elemento de purificação, além de contribuir para impregnar sabor aos alimentos. Significava força transformadora. Os antigos usavam pedaços de sal retirados do mar morto para avivar o fogo caseiro, simbolizando a preservação, o componente que favorece a manutenção da chama vital nas pessoas. O sal também era usado para esfregar os bebês recém-nascidos (Cf. Ez 16,4), além de servir para salgar a carne dos animais oferecidos em sacrifício no Templo (Cf. Lv 2,13). Ao firmar as alianças, os antigos comiam um pouco de sal como sinal de compromisso permanente entre as partes.
Quando Jesus afirma que os seus discípulos são o sal da terra e questiona sobre com que salgaremos se o sal perder o sabor e, ainda, afirma que ele não servirá mais para nada, a não ser para ser jogado fora e ser pisado pelos homens (v. 13), Ele está alertando para a possibilidade dos seus seguidores não se empenharem na luta pela justiça do Reino. O sal jamais perde o seu sabor, mas os discípulos de Jesus podem se tornar insípidos, insossos, descomprometidos com o seu projeto de vida. Podem cair na tentação de seguir um Jesus espiritual, sem carne e ossos, sem compromisso com a vida sofrida das pessoas. O papa Francisco, na Evangelii Gaudium, ao falar sobre a crise do compromisso comunitário, constata o risco do pessimismo de alguns discípulos de Jesus, que se sentem desencantados e com “cara de vinagre” (n. 85). Ele nos convida a empunhar o estandarte da cruz, nos momentos difíceis, e a não deixar que nos roubem a esperança (EG n. 86).
A segunda analogia aplicada por Jesus aos seus discípulos é a luz (v. 14). Nessa comparação, Ele utiliza duas imagens: a da cidade situada sobre um monte, que não pode ser escondida, imagem que remete ao texto do profeta Isaías em referência à cidade de Jerusalém, de onde a luz de Deus deveria brilhar e iluminar o mundo (Cf. Is 60,1-3). Com isto, Jesus quer convidar o novo Povo de Deus a ser reflexo da luz divina que liberta e salva, diante de todos os povos da terra[1]. A segunda imagem, da lâmpada colocada sobre o candelabro e não sob uma vasilha, manifesta o desejo de Jesus de que os seus seguidores sejam luz a iluminar o mundo. Talvez nesta imagem esteja a referência ao “Servo Sofredor” do profeta Isaías, apresentado como “luz das nações” (Cf. Is 42,6; 49,6). Os discípulos de Jesus formam a “nova Jerusalém” e são os novos “servos de Deus” que fazem resplandecer a sua luz libertadora que ilumina a vida de todos. Essas duas imagens não pretendem pôr em destaque a luz dos discípulos, mas a luz de Jesus Cristo. Não é um convite a mostrar-se individualmente, chamar a atenção sobre seus feitos pessoais, buscar visibilidade, mas testemunhar o Reino de Deus, não se omitir e nem fugir da responsabilidade na construção do Reino. As boas obras realizadas pelos discípulos de Jesus devem mostrar o brilho da verdadeira luz do mundo: Jesus Cristo (Cf. Jo 8,12; 9,5). Aqueles que seguem Jesus devem ser iluminados por essa luz e fazê-la resplandecer nas suas obras.
A comparação dos discípulos com o sal lembra que os seguidores de Jesus têm a missão de dar sabor ao mundo, devendo manter a nova aliança firmada por Jesus. A comparação com a luz, lembra a responsabilidade de iluminar o mundo com a luz divina. Esses dois elementos estão presentes na nossa fé cristã desde o primeiro sacramento, o Batismo. No rito complementar opcional do batismo de crianças, o ministro repete a frase de Jesus: “vocês são o sal da terra”, e a mãe coloca um pouco de sal na boca da criança. Ainda no rito complementar, a vela é acesa e apresentada como a luz de Cristo, com a afirmação do ministro de que as crianças foram iluminadas por Cristo para serem luz do mundo, e com a exortação para que caminhem, com a ajuda dos pais e padrinhos, como filhas da luz.
Ser sal da terra e luz do mundo é assumir para valer a missão recebida no sacramento do Batismo e ratificada na Crisma. É deixar transparecer com a vida a beleza do sabor e da luz do Evangelho de Jesus Cristo. Mas é uma responsabilidade que muitos não conseguem cumprir. O papa Francisco constata que “quando mais precisamos de um dinamismo missionário que leve sal e luz ao mundo, muitos leigos temem que alguém os convide a realizar alguma tarefa apostólica e procuram fugir de qualquer compromisso que lhes possa roubar o tempo livre. Observa, ainda, o papa o estado de desânimo de muitos leigos que, “chamados a iluminar e comunicar vida, acabam por se deixar cativar por coisas que só geram escuridão e cansaço interior e corroem o dinamismo apostólico” (EG n. 83). Ele nos convida a não deixarmos que nos roubem a alegria da evangelização! O papa entende que “evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (EG n. 176), não se reduz a palavreado, mas deve conter ações que favoreçam a vida plena das pessoas.
Será que estamos sendo sal da terra? Dando um sabor especial à vida? Será que estamos, nestes tempos sofridos e tensos, sendo sinais do amor de Deus, fazendo brilhar uma luzinha de esperança na vida das pessoas cansadas e desiludidas, desesperançadas? Como nos exorta Jesus: sejamos sal da terra e luz do mundo!
+ Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano
[1] https://www.dehonianos.org/portal/05o-domingo-do-tempo-comum-ano-a0/ (Consultada dia 31/12/2022).
Fonte: Diocese de Goiás