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O texto deste domingo está no centro do Evangelho segundo Marcos. Ele apresenta Jesus caminhando com seus discípulos para os povoados de Cesareia de Filipe, nome que homenageava César, imperador romano cultuado como divindade, símbolo de poder absoluto no contexto religioso e político do império romano. Nos evangelhos Jesus geralmente está caminhando, indo ao encontro das pessoas que sofrem nas periferias. Ele não se detém no centro do poder, Jerusalém. É lá que Ele será crucificado. Enquanto caminham, Jesus pergunta aos seus discípulos: “quem dizem os homens que eu sou?” (v. 27). Essa pergunta e a subsequente resposta de Pedro, encontram-se nos três evangelhos sinóticos, com suas particularidades (cf. Mt 16,13-20; Lc 9,18-21). Jesus não pretende fazer uma sondagem de opinião pública para saber como o veem, pois isso é irrelevante para sua missão. Sua intenção não é que as pessoas o definam, mas que se definam diante dele. A resposta dada mostra que as pessoas não entenderam ainda quem é Jesus Cristo. Alguns dizem que Ele é João Batista; outros que é Elias, e outros que Ele é um dos antigos profetas. Não veem Jesus como enviado do Pai, mas como um simples precursor.
Então, Jesus direciona a pergunta aos discípulos: “E vós, quem dizeis que sou Eu?” (v. 29). Agora o grupo é interpelado a se definir diante da pessoa de Jesus Cristo. Para Jesus, interessa a posição dos seus discípulos, que precisam se comprometer com o projeto de vida proposto por Ele. É uma questão vital para os discípulos de Jesus Cristo, pois não poderão segui-lo de maneira inconsciente e superficial. Pedro, em nome do grupo, responde com a palavra correta, “tu és o Messias” (v. 29), mas com uma compreensão equivocada sobre o messianismo de Jesus. Sua confissão é limitada. Os discípulos ainda não têm noção do mistério da cruz e nem imaginam o que seria a ressurreição. Por isso Jesus os proíbe de divulgar que Ele era o Messias (v. 30). A expectativa do povo judeu era de um Messias poderoso, triunfalista e vitorioso, atributos ausentes em Jesus, que é humilde e amigo dos humildes, pobre, incompreendido, acusado e condenado injustamente à morte de cruz. O messianismo dele contém a marca do conflito com os poderes que o levarão à morte: o poder econômico, representado pelos anciãos; o poder religioso e político, representado pelos sacerdotes; e o poder do conhecimento, representado pelos doutores da Lei, considerados “mestres da verdade”, segmentos, que compõem o Sinédrio, tribunal que condenará Jesus à pena capital. Aplicada a Jesus, a palavra messias sintetiza sua missão de profeta e mestre. Ele é o ungido do Espírito de Deus.
Após Pedro afirmar, em nome do grupo, que Jesus é o Messias, começa uma nova etapa no Evangelho de Marcos com o ensinamento de Jesus sobre o seu messianismo, esclarecendo as concepções equivocadas, inclusive de Pedro. Jesus explica em que consiste o seu messianismo com o primeiro anúncio de sua paixão: será rejeitado, morto, mas ressuscitará (v. 31); e com a apresentação das três condições para o seu seguimento: renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz, e ir atrás dele.
Negar-se a si mesmo é reconhecer o absoluto de Deus; é reconhecer que Jesus é o fundamento do pensar e do agir; é deixar de ser o centro e colocar como mais importante a pessoa de Jesus Cristo e o seu projeto. Não é anular-se como pessoa, mas despojar-se das ambições pessoais. Tomar a cruz é dispor-se a sofrer o mesmo destino de Jesus, como consequência das suas opções pelos rejeitados. A fé sempre conserva algo de cruz, certa incerteza que não retira a firmeza à sua adesão (cf. Evangelii Gaudium n. 42). Somos marcados amorosamente pela cruz de Cristo, o primeiro sinal que recebemos ao ingressar na Igreja pelo sacramento do Batismo. A cruz acompanha toda a nossa existência, mas como transição no seguimento de Jesus, rumo à vitória da vida. Ela não é a nossa derrota. O papa Francisco diz que “o triunfo do cristão é sempre uma cruz, mas cruz que é, simultaneamente, estandarte de vitória, que se empunha com ternura batalhadora contra as investidas do mal” (Evangelii Gaudium n. 85). Contudo, para alguns cristãos, a cruz de Cristo é constrangedora, cabendo-lhes a advertência do apóstolo Paulo contra os inimigos da cruz de Cristo (cf. Fl 3,18). Seguir Jesus é trilhar o caminho que Ele trilhou, com as opções que Ele assumiu e suas consequências, indo até à morte, para com Ele ressuscitar e triunfar.
A pergunta de Jesus dirige-se também a cada um de nós: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (v. 29). Quem é Jesus para nós? As respostas atuais, assim como as práticas, também são cheias de contradições: muitas pessoas criam um Jesus à sua imagem e semelhança, conforme os seus interesses. O papa Francisco adverte-nos contra o mundanismo espiritual presente nas pessoas com uma fé fechada no subjetivismo, restrita às emoções (cf. Evangelii Gaudium, n. 94). Ele também Chama a atenção das pessoas que confiam somente nas suas forças e se sentem superiores às outras por cumprirem determinadas normas ou por serem fiéis a um estilo de fé do passado. Ainda conforme o papa, a qualidade da nossa fé em Jesus não está no conhecimento acumulado, mas na prática da caridade, na capacidade de tocar a carne sofredora de Cristo nos outros. (cf. Gaudete et Exsultate, n. 37).
Neste dia 15 de setembro, celebramos 166 anos do nascimento de São Charles de Foucauld, canonizado pelo papa Francisco em maio de 2022. Esse santo viveu radicalmente o Evangelho, encontrou em Jesus Cristo o sentido pleno da sua vida. Percebeu que não poderia viver diferente de Jesus: deveria ocupar um lugar de serviço, viver pobre como Jesus viveu; descobriu o absoluto de Deus. Decidiu amar Jesus em cada irmão sofredor e ocupar o penúltimo lugar, pois o último já tinha dono: Jesus, a quem Charles de Foucauld seguiu até a morte. Foi assassinado com um tiro no deserto do Saara, onde vivia com os Tuaregues. Que o seu exemplo de vida nos inspire no seguimento de Jesus. Como ele, que cada um de nós renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga com amor a Jesus Cristo.
Estamos no mês da Bíblia, e neste ano a Igreja nos convida a refletir sobre o livro do profeta Ezequiel, sob o lema: "Porei em vós meu espírito e vivereis" (Ez 37,14). Ezequiel viveu durante o exílio na Babilônia, um período de grande sofrimento e amadurecimento para o povo judeu. Ele ajudou o povo a reconhecer sua corresponsabilidade no fracasso histórico, a refletir sobre suas causas e a renovar a esperança, incentivando a construção de uma sociedade mais fraterna, justa e livre. O Espírito de Deus, colocado no coração de cada pessoa, dará a força necessária para essa missão. Vivenciemos profundamente este mês da Bíblia, “dom do Pai para o encontro com Jesus Cristo vivo, caminho de autêntica conversão e de renovada comunhão e solidariedade” (DAp n. 248).
Por Dom Jeová Elias
Bispo de Diocesano
Fonte: Diocese de Goiás