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No Evangelho deste domingo, Marcos apresenta Jesus caminhando ao encontro das pessoas, percorrendo território pagão. Nos Evangelhos, Jesus está sempre em movimento, nunca está parado! Em média Ele caminhava entre 20 e 30 km por dia, chegando a percorrer, em alguns casos, até 80 km. Mas seu caminhar tem rumo, não caminha à toa. Ele se dirige às periferias existenciais e geográficas, geralmente ao encontro das pessoas sofridas. Ele tem o que dizer a essas pessoas: uma palavra de vida e de esperança. Mas também tem muito a escutar: não é insensível, não tem os ouvidos moucos diante do grito de socorro, do pedido de justiça dos mais sofridos que encontra no caminho. Como resposta ao que vê e escuta, Jesus não somente fala, mas manifesta a misericórdia divina através de gestos.
O evangelista Marcos mostra Jesus passando pela região da decápole, isto é, da área composta por dez cidades com predomínio dos pagãos, aonde os judeus evitavam ir por temerem contaminar-se com a poeira daquela terra ou pelo contato com aquela gente rotulada como pecadora. Jesus supera esses preconceitos, o que lhe importa é a pessoa com a sua dor e com sede de vida. Levaram-lhe um homem surdo e com dificuldade de falar, e pediram para que Jesus lhe impusesse a mão (v. 32). Ele afastou-se com o homem, não para esconder os seus gestos, mas para que o surdo-mudo curado fora da multidão se tornasse testemunha do que Jesus lhe fizera, portador da Boa Nova trazida por Ele.
O cardeal português José Tolentino dedica um capítulo do seu livro A Mística do Instante, que trata da importância dos nossos cinco sentidos como portas de entrada ou saída da fé, ao tato, ou tocar. Ele afirma que a forma da demonstração do poder de Deus, manifestado em Jesus Cristo, é muito importante. Para quem sofre, significa muito sentir-se tocado por Jesus, pela sua misericórdia. Ele compara a nossa vida, por vezes, como uma dança em que, nunca tocamos na outra pessoa, nem permitimos que nos toquem, confiamos demasiadamente nas palavras, como se elas bastassem (cf. A Mística do Instante, p. 48-49).
Diferente dos judeus escrupulosos, Jesus não teme tornar-se impuro por tocar em um pagão ou numa pessoa enferma e com deficiência. Marcos narra a cura realizada por Jesus unindo gestos e palavras: Ele toca nos ouvidos do homem, faz saliva, então considerada remédio para algumas enfermidades, toca com ela na sua língua, e ordena que seus ouvidos se abram para ouvir, e que a sua língua se destrave para falar (vv. 33-34). No toque de Jesus está o toque de Deus que visa reintegrar a pessoa à vida. Jesus toca o intocável, estende a mão ao que sofre. O que cura é o poder de Deus, manifestado em Jesus, com gesto de ternura: o toque. Cura saber-se tocado, encontrado e abraçado por Jesus. “Quando toda a distância se vence, o toque de Jesus reconstrói a nossa humanidade”. Embora a cura se complete quando Jesus ordena “Abre-te”, nossa fé não se reduz a palavras, comporta uma relação tátil (cf. José Tolentino, A Mística do Instante, p. 47 e 48).
Os sentidos do nosso corpo são o caminho para a fé, que entra pelos nossos ouvidos, pelo nosso olhar, pelo nosso olfato, pelo nosso paladar, e pelo toque do amor divino. A fé não é uma abstração, mas experiência concreta do amor de Deus que se manifesta nas nossas relações com os outros seres. A audição é um sentido muito importante para o seguimento de Jesus. Ligada à escuta, está também a palavra. Os gestos realizados por Jesus, ao tocar os ouvidos e a boca do homem surdo-mudo, têm profundo valor simbólico. A fé entra pelos nossos ouvidos e deve ser proclamada pela nossa palavra e confirmada com o nosso testemunho. A Igreja valorizou muito os gestos realizados por Jesus no Evangelho deste domingo e os inseriu nos ritos complementares da celebração do Sacramento do batismo, chamado “Éfeta”, com o toque nos ouvidos e na boca da pessoa batizada, seguida da oração: “O Senhor Jesus, que fez os surdos ouvir e os mudos falar, te conceda que possas logo ouvir sua Palavra e professar a fé para louvor e glória de Deus Pai”.
Além do toque no homem, Marcos diz que antes de ordenar o Éfeta (abre-te), Jesus ergueu os olhos ao céu mostrando de onde vem o nosso auxílio e suspirou (v. 34). O suspiro de Jesus pode indicar uma súplica a Deus (cf. nota na Bíblia do Peregrino NT) ou, conforme Bortolini, sua indignação perante o sofrimento de tantas pessoas (Roteiros Homiléticos, Anos A, B e C, p. 440). O evangelista conclui o texto de hoje com a afirmação da multidão: “Ele tem feito bem todas as coisas: Aos surdos faz ouvir e aos mudos falar” (v. 37). Essa afirmação recorda a avaliação de Deus após concluir a criação de todos as coisas: “Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gn 1,31).
Como Jesus, também devemos caminhar ao encontro do outro, ver e escutar com profundidade o que ele tem a dizer e também falar-lhe. Os gestos de Jesus abrindo os ouvidos do surdo, tocando sua língua e destravando-a, devem também abrir os nossos ouvidos e tornar-nos sensíveis ao grito de dor dos que sofrem; e soltar a nossa língua para denunciar as injustiças que provocam sofrimento e anunciar uma palavra de esperança.
Dom Jeová Eliais
Fonte: Diocese de Goiás