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Neste domingo retomamos a leitura do Evangelho segundo Marcos, depois de 4 domingos dedicados ao capitulo 6 do Evangelho de João. Hoje São Marcos apresenta uma comissão de fariseus e mestres da lei, vinda de Jerusalém, questionando Jesus acerca da prática de alguns dos seus discípulos que comiam o pão sem lavar as mãos, conforme a tradição recebida dos antigos. A intenção daquele grupo é encontrar um motivo para acusar Jesus junto ao Sinédrio, tribunal que o condenará à morte. Eles entendem que a tradição está presente na Torá, a Lei dos judeus, e nas prescrições orais transmitidas. Para eles, as duas têm igual valor.
O evangelista Marcos pretende dirigir-se aos pagãos. Por isso, explica alguns ritos que os fariseus realizavam: lavar bem as mãos antes das refeições, ou tomar banho antes de comer, caso retornassem da praça; e a forma de lavar copos, jarras e objetos de cobre (vv. 3-4). Eram rituais de purificação que continham preconceitos e barreiras contra os pagãos, pessoas que não professavam a mesma fé dos judeus. Esses rituais envolviam o exterior da pessoa, não o coração.
Todas as religiões têm tradições humanas e algumas podem até fazer bem, mas fazem muito mal quando distraem e afastam do que Deus espera de nós. Claro que não podemos esquecer a nossa bonita história da salvação edificada pelas pessoas que caminharam na fidelidade a Deus e sofreram as consequências em vista disso. “A memória é uma dimensão da nossa fé cristã” (Evangelii Gaudium n. 13). A Eucaristia é o memorial da vida doada por Jesus e da sua vitória sobre a morte. Contudo, a transmissão da fé não ocorre como a passagem de um objeto de mão em mão, exige o respeito ao dinamismo da vida e a consideração ao novo contexto cultural, o que não ocorre com as tradições farisaicas relatadas no Evangelho de hoje.
As tradições dos fariseus são expressão de desumanidade por julgarem os outros impuros e piores do que eles, que só comiam depois de lavar bem as mãos (v. 3), e se tivessem ido à praça, depois de tomar um banho (cf. v. 4). Eles dividiam as pessoas, os animais e os objetos em duas categorias: dos puros e dos impuros. Entre os rotulados de impuros estavam as pessoas mais fragilizadas, que sofriam mais preconceitos e que eram desprezadas por sua condição social, de gênero e por sua origem geográfica. Essa tradição penalizava as mulheres, os enfermos, os estrangeiros... No grupo dos puros encontravam-se eles e as pessoas julgadas importantes.
Conforme Marcos, Jesus é aquele que veio suprimir as falsas tradições e mostrar onde encontra-se a verdadeira impureza. Ele ensina que a relação com Deus não pode ser uma fria adesão a normas e leis, nem o cumprimento de tradições exteriores que não conduzem a atitudes amorosas, como a solidariedade com quem sofre, a caridade com quem necessita e o empenho pela justiça do Reino de Deus. Marcos diz que Jesus chamou a multidão para perto dele e explicou o novo ensinamento, em que realmente consiste a impureza. Ele cita treze vícios que tornam a pessoa impura e todos brotam do interior (cf. vv.21-22). Essa lista sintetiza os erros que ofendem a própria pessoa e as outras. O mal, antes de concretizar-se, é alimentado no coração. A impureza não se encontra no exterior das pessoas, nas coisas ou nos animais, obras da criação divina, vistas por Deus como algo muito bom (cf. Gn 1,31).
O papa Francisco convida-nos a buscar o essencial, o que tem valor para a vida, que é o amor, sobretudo pelos mais sofridos, e a nos empenharmos para que tenham vida digna. Ele diz que a nossa Igreja não deve ter medo da renovação. Isto exige sacrifício e coragem. Diante das novidades, somos tentados à segurança do caminho já conhecido, mas podemos perder a riqueza e a alegria que brotam dos caminhos novos. O papa nos convida a abandonar o critério pastoral de que “sempre foi feito assim” e nos exorta à ousadia e criatividade na tarefa de repensar os nossos métodos de evangelização (cf. Evangelii Gaudium n. 33). Para Francisco, alguns costumes que não estão ligados diretamente ao núcleo do Evangelho, mesmo que pareçam bonitos, são passíveis de revisão. “Há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido muito eficazes em outras épocas, mas já não têm a mesma força educativa como canais de vida” (Evangelli Gaudium n. 43). Devemos dar novas respostas às novas questões, ligadas ao núcleo do Evangelho.
Para o papa Francisco, a tradição não é como um museu, nem a religião como um congelador. Ele diz que a doutrina não é estática, “cresce e se desenvolve, como uma árvore que permanece a mesma, mas fica cada vez maior e produz sempre mais frutos(...). Não há contradição entre estar solidamente enraizado na verdade e, ao mesmo tempo, aberto a uma compreensão maior” (Vamos sonhar juntos, p. 65). O Espírito guia a nossa caminhada e aquece o nosso coração ao longo da história. “A tradição não é o culto às cinzas, mas a preservação do fogo” (Gustav Mahler, citado por Francisco em Vamos sonhar juntos, p. 66).)
Como esses fariseus e mestres da lei, que acusam Jesus de não seguir suas tradições, alguns grupos ultraconservadores, que se dizem católicos, resistem ao magistério do papa Francisco, atacam-no sem piedade, como se ele fosse um herege por defender a renovação da Igreja e pelo seu comprometimento com a defesa da vida, sobretudo das pessoas mais fragilizadas. São apegados a tradições humanas; ficam amarrados a alguns ritos e gestos litúrgicos, a idioma morto, mas com o risco de ter o coração longe de Deus. O ensinamento e a opção de Jesus pelos mais pobres não encontra eco nos seus corações. Que a advertência de Jesus, em sintonia com o profeta Isaías, ecoe aos ouvidos de todos os seus discípulos: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos” (vv. 6-7).
Fonte: Diocese de Goiás