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Celebramos, neste IV domingo da Páscoa, o dia do Bom Pastor e a jornada mundial de oração pelas vocações. Entre nós a figura do pastor não é familiar, é mais popular a figura do vaqueiro, que cuida do gado e estabelece uma relação muito especial com o rebanho. Mas na Bíblia, a figura do pastor é marcante. Deus é apresentado como o pastor do seu povo, que cuida das ovelhas mais debilitadas, a ponto de carregá-las nos ombros, que alimenta o seu rebanho em verdes pastagens, sacia a sua sede, defende nos perigos e providencia tudo para que o rebanho viva bem, conforme reza o belíssimo Salmo 23. Esse cuidado divino se manifestou nas pessoas constituídas para governar o povo. Muitas delas não foram fiéis à missão. Ao invés de cuidar, exploraram o povo, conforme denunciaram os profetas. Em vista disso, Deus mesmo irá cuidar do seu rebanho na pessoa de Jesus Cristo e dos seus discípulos-missionários.
A figura do pastor, no tempo de Jesus, não era positiva como nas ilustrações atuais. Por viverem no campo, terem pouca escolaridade e não poderem ler a Torá, os pastores eram malvistos. Conforme o teólogo Joaquim Jeremias, eles estavam elencados entre as profissões desprezíveis.[1] Eram considerados, na maioria das vezes, como pessoas desonestas por pastorearem seus rebanhos em pastagens alheias e extorquirem a renda do rebanho. Muitas das lideranças políticas e religiosas da época mereciam esse rótulo. Certamente as de hoje também.
No Evangelho deste domingo não aparece Jesus se denominando pastor, mas apresentando-se como a porta do curral, local onde as ovelhas estão confinadas. A palavra ovelha se destaca no texto: aparece sete vezes. Somente uma vez aparece a palavra pastor. Jesus afirma ser a porta das ovelhas. Mas, continuando o texto de João, Ele também afirma ser o bom pastor que dá a vida por suas ovelhas (Cf. Jo 10,11).
Na região de Jesus existiam currais comunitários onde os pastores deixavam os seus rebanhos pernoitarem, para se protegerem do frio e não serem atacados por animais ferozes. Esses currais possuíam apenas uma porta. Ao amanhecer, cada pastor se aproximava e chamava cada ovelha do seu rebanho pelo nome; elas escutavam a voz do pastor, o conheciam e seguiam os seus passos em busca de pastagens e água. Neste aspecto, o redil tem um sentido positivo, representa a proteção das ovelhas. O pastor das ovelhas entra pela porta, diferente do ladrão e assaltante que sobe por outro lugar (vv. 1-2). Mas o curral também pode ter uma leitura negativa. O texto fala somente de levar as ovelhas para fora e de guiá-las para frente (v. 3). Aqui, conforme a Bíblia do Peregrino, pode sugerir a primeira libertação da escravidão no Egito e a caminhada do povo pelo deserto, conduzido por Deus, prefiguração da definitiva libertação realizada por Jesus Cristo, que não mais reconduzirá as ovelhas ao velho redil (Cf. nota em Jo 10,1-6). Nesse sentido, significa libertação daquilo que não favorece a vida das ovelhas.
Três verbos se destacam no Evangelho: escutar, conhecer e seguir. Jesus diz que as ovelhas escutam a voz do seu pastor (v. 3), mas não escutam a voz dos ladrões e assaltantes (v. 8). Para o teólogo José Tolentino, escutar é obedecer. A palavra obediência deriva do latim “ab audire”, que significa dar ouvidos, ouvir bem, permanecer em escuta (A Mística do Instante, p.112). Escutar a palavra de Jesus, bom pastor, é sinal de amor, pois Ele ama aquele que verdadeiramente o escuta. Quem o escuta deve sentir-se amado, responder com amor e segui-lo.
O outro verbo que se destaca é conhecer. Jesus diz que as ovelhas conhecem a voz do pastor, mas ignoram a voz dos estranhos. Conhecer, na Bíblia, não é simplesmente ter ciência, mas ter intimidade, amar. O pastor, Jesus Cristo, ama as suas ovelhas a ponto de dar a vida por elas, diferente do mercenário que somente as explora (Cf. Jo 10,11-13). Somos conhecidos, isto é, amados profundamente por Jesus. Porque nos ama, Ele cuida de nós, não nos abandona. Pastoral é a arte de cuidar. Aos bispos brasileiros, na Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, o Papa Francisco lembrava que pastoral é o exercício da maternidade da Igreja, que não somente gera, mas alimenta, acompanha o crescimento, corrige e conduz pela mão. A nossa Igreja, conforme destaca o Papa Francisco, deve ser como um hospital de campanha que cuida dos feridos. Sua prioridade deve ser cuidar da dor das pessoas, mais do que a preocupação em doutriná-las. Segundo o papa, a Igreja deve ter entranhas maternas de misericórdia.
O terceiro verbo destacado é seguir. Jesus afirma que as ovelhas que escutam e conhecem a voz do pastor o seguem; mas não seguem a voz de um estranho, fogem dele (vv. 4-5). Seguir o pastor é acompanhar os seus passos, abraçar o seu projeto, vivê-lo e anunciá-lo.
Jesus afirma duas vezes ser a porta das ovelhas, e os que vieram antes dele são ladrões e assaltantes (vv. 7-9). A imagem é usada para distinguir os verdadeiros líderes, que passam pela porta, Jesus Cristo, para ter acesso às suas ovelhas. Ninguém pode ir a elas sem o mandato dele. Elas lhe pertencem, não são propriedades de outros. Quem for ao encontro delas deve ter os mesmos sentimentos de Jesus, o desejo de cuidar e até mesmo dar a vida por elas. Quanto às ovelhas, a porta significa a possibilidade de acesso para alcançar pastagens. Somente em Jesus é possível o acesso ao Pai, à vida plena e eterna.
Inspirados pelo Evangelho deste quarto domingo, somos convidados a saber discernir a voz dos verdadeiros pastores, que se preocupam com a vida das ovelhas, diante de tantas vozes agressivas e desrespeitosas que ignoram a dor das pessoas e defendem uma religião de normas rígidas e regras pesadas a carregar. Que veem a nossa vida terrena como um mero trampolim para a eternidade. Que falam mais de pecado, de inferno, de castigo, do que de esperança, misericórdia, perdão. Que se julgam pessoas autorizadas a defender a ortodoxia e atacam até mesmo o papa, quando contrariadas nas suas ideologias. As ovelhas não devem ouvir essas vozes, mas fugir dessa “gente de bem” que destila ódio contra os divergentes.
Neste dia de oração pelas vocações, rezemos para que os nossos pastores sejam fiéis ao chamado de Jesus Cristo. Que eles tenham o cheiro das ovelhas, que também se sintam parte do rebanho e não seus proprietários, pois o pastor por excelência é Jesus. Peçamos que o Senhor chame pessoas generosas para servir nas nossas comunidades, nas pastorais e diversos serviços, preocupadas em promover a dignidade da vida concedida por Deus aos seus filhos e filhas. De modo especial, rezemos pelas pessoas que sofrem perseguições por causa da defesa da dignidade da vida humana, sendo fiéis ao projeto de Cristo.
+ Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano
[1] Jeremias, Joaquim. Jerusalém no tempo de Jesus. S. Paulo: Ed. Paulinas, 1986, p. 404-406.
Fonte: Diocese de Goiás