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O Evangelho deste domingo apresenta duas cenas: na primeira, Jesus atravessa a Galileia caminhando com seus discípulos como seu mestre. A segunda cena ocorre em casa, ao chegarem a Cafarnaum. Na primeira cena, temos um momento mais particular de Jesus com os seus apóstolos, sem a presença da multidão, em que ele ensina o grupo com sua palavra e seus gestos, mas eles têm dificuldade para entender o conteúdo, e não ousam perguntar. No caminho, Jesus faz o segundo anúncio da sua paixão, morte e ressurreição: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará” (v. 31). A expressão “Filho do Homem”, aplicada a si por Jesus, tem vários sentidos: sugere sua humildade e identificação com a humanidade; sinaliza o seu sofrimento redentor como Messias; mas aponta também para sua vitória sobre a morte e retorno como juiz.
Embora Jesus seja claro, para eles era inconcebível que o Messias tivesse esse destino. Entendiam que o Messias deveria triunfar, não ser um fracassado na cruz.
A segunda cena ocorre em casa: Jesus sentado, como mestre, ensinando com autoridade e esclarecendo os equívocos dos seus apóstolos, que discutiam ao longo da caminhada. Jesus questiona-os sobre o que discutiam e apresenta a verdade. O seu ensinamento entra pelos ouvidos e também pelos olhos, com os gestos que Ele realiza abraçando uma criança e pondo-a no centro. No caminho, eles discutiam sobre quem era o mais importante. Estavam movidos pela mentalidade de Herodes, pelo desejo de serem poderosos. Tinham dificuldades para assimilar o ensinamento da cruz e do serviço. Jesus ensina-lhes que as pessoas importantes, grandes diante de Deus, são as que se colocam em último lugar e dedicam a vida a serviço dos mais vulneráveis (v. 35). Não há lugar na comunidade de Jesus para quem aspira mandar, dominar os outros, ser mais importante. Para ilustrar, Jesus coloca uma criança no meio, e, abraçando-a, ensina que quem acolher uma criança estará acolhendo a Ele (v. 36). A criança simboliza todas as pessoas necessitadas, independente da idade. No Evangelho de Marcos, somente as crianças são abraçadas por Jesus.
O poder, ao longo da história, foi um desafio constante na política e também dentro da nossa Igreja. A tentação do poder estava presente até no coração dos Apóstolos. Marcos descreve, em outro texto, o pedido de Tiago e João para ocuparem lugar de destaque ao lado do Rei Messias (cf. Mc 10,37). O próprio Jesus também foi tentado no deserto por Satanás (cf. Mc 1,12-13), e por Pedro (cf. Mc 8,32-33), como vimos no domingo passado. Mas resistiu! Ele preferiu descer, pois o seu poder é um poder que se rebaixa, enquanto os seus apóstolos aspiram subir de postos, ter honras, diferente do seu mestre. O poder deve ser usado não para honras, não para subir, não para dominar, mas para descer e servir.
A nossa Igreja também experimentou a tentação do poder ao longo da história e algumas vezes não resistiu. Esteve atrelada a impérios, possuiu territórios e coroou reis. Foi uma tentação irresistível no passado, é uma tentação na atualidade, e será sempre um risco para o futuro. Conforme o Pe. Pagola, “uma Igreja que olha para os grandes e se associa aos poderosos da terra está pervertendo a Boa Notícia de Deus anunciada por Jesus (O Caminho Aberto por Jesus – Marcos, p. 179). O papa Francisco deseja que a nossa Igreja seja despojada do poder: uma Igreja pobre e para os pobres (cf. Evangelii Gaudium, n. 198). Diz que o verdadeiro poder é o serviço. Para Francisco, a Igreja precisa “colocar Jesus no centro e libertar-se da autorreferencialidade e do sentimento de superioridade”[1]. Ela tem que acolhê-Lo em cada pequeno, que deverá estar no centro da sua atenção e dos seus cuidados.
Segundo o papa, existem duas chagas, entre outras, que distorcem a verdadeira missão da Igreja: o clericalismo e o carreirismo. O clericalismo vê o clero - bispos, padres e diáconos - como mais importantes do que os leigos e as demais pessoas na Igreja. Isso leva a exclusão da participação ativa dos demais membros da comunidade, com a concentração do poder nas mãos dos clérigos. Pelo batismo, todos temos igual dignidade e corresponsabilidade na missão da Igreja. O carreirismo é caracterizado pela busca de prestígio pessoal e poder na Igreja, ao invés do lugar de serviço, como pede Jesus no Evangelho deste domingo. Em vista da conquista dos primeiros postos de poder, surgem as competições, invejas, discórdias. Os leigos e religiosos também não estão imunes a essas tentações. O sínodo sobre a sinodalidade da Igreja, em andamento, com o tema “Por uma Igreja Sinodal: comunhão, participação e missão”, é um esforço para superar o clericalismo e o carreirismo na Igreja, convocando todos à corresponsabilidade na missão evangelizadora.
Na política, o anseio pelo poder e de manutenção nele atrai a muitos. Não para servir aos mais necessitados, mas aos que patrocinam a ascensão aos postos elevados, desvirtuando aquela que representa a arte de servir ao bem comum. O poder político geralmente se voltou contra os pobres e sempre se manteve a favor dos ricos, trazendo algum descrédito à política, que é uma nobre forma de viver a caridade. E a triste constatação é que todos os que chegam ao poder, onde existe a democracia representativa, é com o voto dos mais pobres, mas muitas vezes trabalham contra os seus interesses. Igualmente triste é a instrumentalização do nome de Deus com fins eleitoreiros, em slogans políticos, sem compromisso com os valores do Evangelho, na busca do poder. Em vista da conquista do poder, muitas maldades e violências são cometidas. A verdade é falseada, a honra pessoal e do outro é ignorada, pessoas são até mesmo assassinadas.
O Evangelho deste domingo contrapõe o projeto de serviço apresentado e abraçado por Jesus, até a doação da própria vida, e o desejo de poder, de assumir os postos de honra, de ser grande, presente no coração dos seus discípulos. Para Jesus, quem quiser ser o primeiro, deve ocupar o último lugar e colocar a vida a serviço de todos. Claro que o último lugar já tem dono, o próprio Jesus. Ao longo da caminhada, os apóstolos superaram a tentação da busca do poder, de ser contaminados pelo fermento de Herodes (cf. Mc 8,15) e seguiram a Jesus até às últimas consequências, até à morte. Como seguidores de Jesus, quais são nossos anseios?
[1]Arzobispado de Santiago, Visita Apostólica a Chile - Papa Francisco – Homilías y Discursos, (Santiago: Vicaría para la pastoral, 2018), 44.
Fonte: Diocese de Goiás