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''A fé é uma grande escola do olhar''


Publicado em 18 Março de 2023
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Neste quarto domingo da Quaresma, a liturgia traz, novamente, um longo texto do Evangelho de João, pondo em destaque, mais uma vez, a água com seu simbolismo, e acrescentando a luz. Esses símbolos recordam o sacramento do batismo, neste tempo em que somos chamados a vivenciá-lo melhor. Esse sacramento, na Igreja primitiva, era chamado de iluminação. Na noite da vigília pascal, no sábado santo, renovaremos os nossos compromissos batismais, seremos aspergidos pela água abençoada na celebração e acenderemos o círio pascal no fogo novo.  

O texto deste domingo é conhecido como “a cura do cego de nascença”. João inicia o seu texto afirmando que Jesus, ao passar, viu um homem cego de nascença (v. 1). Os verbos ver e enxergar são mencionados 14 vezes ao longo do texto. Também a palavra “cego” se destaca: é mencionada 17 vezes. Outra palavra que se destaca é “olhos”, mencionada 8 vezes. Essas palavras têm um forte simbolismo. Para São João, Jesus não fica indiferente diante do homem cego: Ele o vê. Aquele que não enxerga, é visto por Jesus. O olhar de Deus sempre nos alcança, além de ser universal, é pessoal. Conforme o Salmista, Deus penetra fundo no nosso ser, Ele nos vê sentados ou de pé, andando ou parados, de longe ou de perto. O olhar de Deus, com seu amor, envolve todo o nosso ser (Cf. Sl 138/9). Seu olhar nunca desiste de nos alcançar.

O centro do texto deste domingo é o encontro de Jesus com o cego de nascença. Os “cegos” estavam no grupo dos excluídos daquela sociedade. Conforme a teologia da época, as deficiências físicas eram consequência do pecado pessoal (consideravam que mesmo a criança poderia pecar no ventre materno), ou dos pais. As pessoas com deficiências eram tidas como castigadas por Deus. A cegueira era considerada um pecado gravíssimo, pois impedia que o homem estudasse a Lei de Deus. Os cegos não podiam testemunhar no tribunal e nem participar das celebrações no Templo de Jerusalém. Os discípulos interrogam a Jesus sobre quem seria culpado da cegueira daquele homem: ele ou os seus pais? Jesus desmonta aquela perversa teologia: diz que nem ele nem seus pais pecaram, mas o que ocorre nele é para manifestar a obra divina (vv. 2-3). Conforme a narrativa da criação, quando Deus criou a terra, existia a escuridão. A primeira palavra divina foi: “Faça-se a luz!” e a luz foi feita (Cf. Gn 1,2-3). Essa luz divina se manifesta na pessoa de Jesus Cristo, luz do mundo (v. 5). Segundo o cardeal Tolentino, “no olhar de Jesus, encontramos o olhar amoroso de Deus que anda à procura do Homem nos lugares mais improváveis, para transformar seu coração” (A Mística do Instante, p. 133). De acordo com o papa Francisco, “Deus não olha com os olhos, Deus olha com o coração” (Fratelli Tutti, n. 281).

São João não pretende fazer uma reportagem jornalística sobre a cura de uma pessoa cega, mas apresentar uma catequese sobre Jesus como a luz que veio iluminar o caminho humano (v. 5). No cego retratado pelo Evangelho, estão representados todos os homens e mulheres privados da luz divina. Depois de ver o cego e de falar aos discípulos, corrigindo o entendimento equivocado sobre a cegueira, Jesus passa aos atos: cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a nos olhos do cego (v.5), em preparação para dar luz aos olhos dele.  Esses gestos de Jesus recordam o relato da criação divina que apresenta Deus modelando o homem com a argila e soprando o hálito de vida nas suas narinas (Cf. Gn 2,7). A cura do homem não vem de um remédio exterior, de uma planta ou das vísceras de um peixe (Cf. Tb 11,11-14), sai de dentro de Jesus, e do toque amoroso de suas mãos (v.5), mas requer a participação do cego, que deverá ir lavar-se na piscina, cumprindo a ordem de Jesus. Ele foi, lavou-se e voltou enxergando (v. 7). A menção da água refere-se ao sacramento do batismo, que nos ilumina com o dom da fé, arrancando-nos da escuridão e concedendo-nos a liberdade de filhos de Deus. A cura do cego mostra que Jesus é a água que lava a nossa cegueira e a luz que faz brilhar os olhos da fé. O cego aderiu à proposta de Jesus indo lavar-se na piscina, mas fará um caminho até a plena iluminação ao proclamar a fé em Jesus e prostrar-se diante dele (v 38). Ele progride da incerteza à afirmação de que Jesus é um profeta, até proclamá-lo como o Senhor, título que a comunidade cristã primitiva tratava Jesus, o glorioso. Além dessa proclamação, o cego o adora. A luz recebida o liberta do medo e o faz enfrentar as autoridades que se opõem a Jesus. Ele não voltará à mendicância, caminhará com suas próprias pernas e viverá com dignidade.

João menciona outros personagens após a cura do cego, que assumem papéis variados: os vizinhos e conhecidos e os pais do cego, que não querem se comprometer, têm medo de passar das “trevas à luz”. Aparecem também os fariseus que se recusam a aceitar o sinal realizado por Jesus e querem usar de violência para impedir a sua divulgação. Eles representam todos os que se opõem à abertura dos olhos de quem não vê e perseguem aqueles que ajudam a abrir os olhos que não enxergam, a passarem das trevas à luz, da escravidão à liberdade.

Para o cardeal Tolentino, Jesus dá grande importância ao olhar ao dizer que o olho é a luz do corpo. O olho são iluminará todo o corpo e o olho mau traz trevas à vida (Cf. Lc 11,34-36). “A fé é uma grande escola do olhar” (A Mística do Instante, p. 140).  Ainda conforme Tolentino, Jesus nos convida a abrir os olhos e contemplar a beleza da criação, a não ficarmos demasiadamente preocupados com a vida (Cf. Lc 12,23). Precisamos abrir os olhos para que o medo ceda lugar à alegria. A vida é bela.

Quaresma é tempo de preparação para celebrar o Batismo, sacramento pascal, e renovar os compromissos batismais. É tempo para aguçar o nosso olhar, perceber a nossa imperfeição, retirar a trave que fecha os nossos olhos impedindo-nos de ver os nossos próprios erros e tornando-nos indiferentes diante das injustiças cometidas contra os irmãos. Com a Campanha da Fraternidade deste ano, vivenciada neste período, a Igreja nos convida a abrir os nossos olhos diante do flagelo da fome, que maltrata uma multidão de seres humanos e a agir para transformar essa triste realidade a partir do Evangelho de Jesus Cristo.

 

+Dom Jeová Elias

Bispo Diocesano


Fonte: Diocese de Goiás